Fingiu perdoar toda aquela ausência e entregou o remorso à confiança. Uma confiança frágil, sustentada pelo que ainda conhecia dele e pela coragem que desconhecia ter.
Assim que o viu, quebrou a rigidez que jurou ao pecado manter, mas conseguiu permanecer do lado certo da barreira ténue que separava o constrangimento de uma atracção evidente. Esqueceu-se apenas de que a sedução é miscível assim que se depara com a combustão dos corpos.
Conduzia sem direcção definida.
Só queria um sítio tão longe quanto o lugar onde em tempos se deixaram ficar e, esse lugar, não era, naquele Domingo frio de Janeiro, a cidade de Lisboa. Não era a agitação do Bairro Alto ou o barulho do Cais Sodré. Na verdade, esse lugar já não existia ou já não tinha caminho. "Vou levar-te a casa", disse ela. Mas ele não deixou. "Vamos para um lugar que eu conheço."
A rigidez de ambos desvaneceu num silêncio que invocava loucura e tensão. Sabiam apenas que a sua história era uma divisão que não tinha dado resto zero e a prova estava ali, num escuro quebrado apenas pela luz que iluminava aquele lago.
A noite ficava-lhes bem.
Irregulares e rebeldes, trocaram amor na sua forma mais pura à revelia de um passado que não o permitia. Sabiam que aquele era um agora sem tempo e exilaram-se na consciência um do outro.
Ele esgotou-se e adormeceu. Ela lembrou-se do que tinham sido. Lembrou-se de respostas que nunca teve, de promessas que ele fez e que riscou. Agarrou-se de novo à ideia de um grande amor. Agarrou-se ao seu grande amor. Pediu muito que a manhã nunca chegasse e, numa lágrima contida, percebeu que a única forma de a manhã não chegar era não deixando que a noite passasse.
"onde é que vais?", perguntou ele. "Vou levar-te a casa".
Os corpos arrefeceram e a realidade tocou-o. "Tchau", e com um beijo na cara saiu do carro daquilo que era, novamente para ele, uma estranha.
Afinal de contas, ela não lhe tinha pedido promessas.